É preciso perceber que o grande derrotado nesta votação, em Mato Grosso, neste 6 de outubro de 2024, é o governador Mauro Mendes, o bolsonarista e garimpeiro, derrotado por outros bolsonaristas ainda mais afoitos do que ele.
Sim, o grande problema talvez seja esse. As urnas derrotaram uma turma tenebrosa, mas existe gente mais tenebrosa ainda despontando no horizonte de nossas retinas cansadas.
Mas não se pode deixar de comemorar. Há sempre uma lição a se extrair da manifestação popular. O povo talvez escreva certo por linhas tortas, sigo esperançando.
A empáfia de Mauro Mendes rolou pelo chão e candidatos como Eduardo Botelho e Kalil Baracat foram parar no buraco de uma derrota acachapante. Foi como se Mauro Mendes os tivesse enfeitiçado, arrastando-os para o Titanic dessa eleição.
Botelho e Kalil vão rolar tontos, pelas ruas da Grande Cuiabá, ainda por muitos e muitos dias. E lá no Palácio Paiaguas os gritos desesperados do ditador Mauro Mendes seguirão ecoando também por muito tempo, para desespero de Otaviano Pivetta que também é um baita derrotado e já deve se imaginar fora da disputa de 2026, porque seu padrinho revela-se um blefe.
Botelho sempre foi apresentado como um candidato consolidado no segundo turno, devido à parceria pretensamente mágica com o Mauro governador. Estão por aí as imagens de uma tola deputada Janaina Riva convocando para a vitória no primeiro turno. Tolice, tolice apenas, alimentada pelos chantagistas da mídia. A revolta do eleitor, sempre sequioso por mudança, atirou todo grupo político do Mauro, do Botelho, dos Campos, pelo menos nesta disputa, para os quintos do Inferno. Mas o eleitor pode ter trocado 6 por meia dúzia.
Cantar que Cuiabá botelhou, como Mauro cantou e dançou ao lado de Fábio Garcia, Beto Dois A Um, Alan Kardec e outros que tais, e tentar ironizar pra cima de todos os seus opositores, como MM tentou, aparece hoje como uma espécie de maldição, que expõe todo o ridículo desse grupo político que se imaginava nas alturas, só que sonhos se transformaram em pesadelo quando as urnas foram abertas. Pesquisas podem ser compradas, formatadas ao gosto do freguês. Mas a realidade tem uma face dura, cruel.
Dona Virginia Mendes, que sonhava se firmar como pitonisa, escolhendo determinadas pessoas para serem nomeadas por ela, através do voto de seus súditos, para a Câmara de Cuiabá, deve estar vendo agora que sua influência sobre o povão não passa de uma titica. Até o seu querido Pablo Marçal foi parar no lamaçal.
Mas é preciso perceber que o jornalismo corporativo em Mato Grosso também se arrebentou nessa campanha porque só serviu para veicular releases dos políticos de ocasião, sem qualquer investigação aprofundada sobre os fatos, sem a investigação jornalística que auxiliasse o eleitor, cidadão, contribuinte a melhor se posicionar diante dos fatos que marcaram essa campanha tão confusa, tão delirante, em Mato Grosso. E o eleitor acaba sendo arrastado pela ilusão de mudança que foi trazida pelo bolsonarismo. A grande midia fatura seu bereré e o resto que se exploda.
Não temos jornalismo em Mato Grosso. Temos muita, muita gente faturando com jornalismo neste Estado, como se informação fosse apenas uma mercadoria. Jornalismo não é mercadoria, informação é um direito do cidadão, insiste sempre o professor Gibran Lachowiski, de Tangará da Serra. Isso é que os estudiosos do Jornalismo, na UFMT, na Unemat, devem documentar, se é que ainda existem estudiosos do jornalismo entre nós.
Claro que, nos meus delírios, tenho sempre a impressão de que, nas urnas de Mato Grosso, os Caminhantes Brancos, comandados pelo Rei da Noite, que seria o Louco Abilio, conseguiram aqui a vitória que não tiveram diante diante de Arya Stark na Guerra dos Tronos. A política no Brasil, notadamente depois dos arreganhos da extrema direita, ganhou ares permanentes de uma farsa, como as farsas do cinema e da TV.
É preciso perceber que o eleitorado, fazendo a escolha pelo bolsonarismo e reforçando o poder dos políticos mais conservadores em nosso Estado, também pode ser um perdedor, em um Mato Grosso que pode virar palco de experiências administrativas que misturem a privatização do Estado ( com a entrega das águas de Várzea Grande aos sanguessugas do empresariado, como já anuncia a novata bolsonarista Flávia Moretti, em VG), com a defesa de valores retrógados e anticivilizatórios.
Quando os gays e lésbicas poderão passear tranquilos pelas ruas deste Estado, sem temer o ataque de conservadores homofóbicos? Quando conseguiremos frear o machismo em Mato Grosso e reduzir os feminicídios que nos expõem diante do Brasil e do mundo? Quando poderemos debater o aborto e a gestação responsável em um Estado onde a mulher segue sendo alvo de tanta violência sexual? Quanto teremos as drogas descriminalizadas e nos livraremos do Estado paralelo e assassino, comandado e alimentado pelas facções criminosas?
Comemorei a derrota humilhante de Mauro Mendes mas já me preocupei quando vi Lúdio Cabral, em sua primeira manifestação pós passagem para o segundo turno, falando e sonhando em conseguir o voto do governador para a sua campanha de bom moço. Ah, os descaminhos do Lúdio, que ao invés de se juntar aos trabalhadores da Educação, servidores públicos e pescadores, festejando a queda eleitoral do grande algoz que é Mauro Mendes, fica ainda, de forma servil, bajulando um ser políticamente detestável como é esse governador garimpeiro!…
O saudoso poeta Billy Branco nos ensinou que o que dá pra rir, dá pra chorar, naquela canção gravada pelo saudoso Jair Rodrigues. Espero não viver o constrangimento de ver Lúdio e Abilio, como duas rameiras, disputando os carinhos de Mauro Mendes, como se Mauro Mendes ainda tivesse alguma importância para os destinos do povo subalternizado de Mato Grosso.
Mauro Mendes sai dessa eleição como um cadáver insepulto. Resta-nos, agora, aproveitar esse momento de felicidade e sepultá-lo de vez. Essa conversinha de Lúdio Cabral de tentar nos apresentar Mauro Mendes como um governante de fino trato me enoja. Não há como querer fazer de conta que a luta de classes deixou de se processar em Mato Grosso. Não há como deixar de reconhecer que Mauro Mendes é a mais dura expressão do que os patrões procuram sempre fazer com a classe trabalhadora, em nosso Estado, submetendo-a sempre à sua exploração.
Imagino que ainda há muito, muito mais a se dizer sobre esse processo eleitoral em Mato Grosso e no Brasil. Hoje, com meu fôlego de velhinho, dou só um pitaco. Quem sou eu para açambarcar uma realidade tão múltipla, tão diversa. Tenho as minhas limitações, é claro, e espero que outros contribuam para uma análise melhor contextualizada deste momento, dessa conjuntura, livrando-nos do samba do crioulo doido. Gostaria muito de ver o professor José Affonso Portocarrero e o professor José Antônio Lemos, por exemplo, explicando como é que pretendem influenciar o ogro do Abilio Brunini para que desenvolva, caso eleito, uma gestão minimamente democrática, garantidora dos direitos da Cidadania.
ENOCK CAVALCANTI, 71 anos, jornalista, é editor do blogue PAGINA DO ENOCK , que se publica a partir de Cuiabá, desde o ano de 2009, e colunista do ISSO É NOTÍCIA