A cada mês, a bióloga Maelle Lima de Freitas sobe em um outdoor, que fica na frente da praça das Capivaras, em Alta Floresta (a 789 km de Cuiabá), para mudar o número anunciado ali. Apelidado de “bichômetro”, o anúncio serve para avisar sobre o número de travessias de macacos, que são salvos de atropelamento por sete pontes entre trechos de floresta cortados por ruas e avenidas dentro da cidade.
“Até agora foram 4.919 travessias, mas o número é maior porque algumas travessias não são registradas pelas câmeras, alguns macacos pregos viram as câmeras, tiram as pilhas”, diz Maelle.
Segundo ela, a adaptação dos animais foi rápida e em apenas nove meses as pontes passaram a fazer parte dos caminhos naturais dos primatas entre os galhos das árvores da floresta amazônica.
A mudança dos números no outdoor no município ao norte de Mato Grosso é uma das etapas do trabalho de Maelle, que também precisa contabilizar e identificar as espécies registradas. Ela trabalha para a pesquisadora Fernanda Abra, ecóloga de estradas cuja missão é criar pontes de dossel para travessia de animais.
Abra foi premiada com o prêmio Whitley em 2024, considerado o “Oscar da conservação ambiental”, por criar 30 pontes na BR-174 para proteger espécies como o sagui-de-mão-dourada, símbolo cultural do povo waimiri atroari, no Amazonas.
Parte do dinheiro do prêmio foi utilizado na construção das pontes na área urbana. As pontes também receberam apoio da Fundação Ecológica Cristalino, da Fazenda Anacã e da Prefeitura de Alta Floresta, além de outras instituições, em um projeto que ficou conhecido como Alta Floresta Não Atropela.
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Fernanda Abra não esquece do dia em que visitou Alta Floresta pela primeira vez e ficou fascinada com a diversidade dos animais que passeavam dentro da cidade.
“Quando eu fui em Alta Floresta pela primeira vez eu fiquei impressionada quando eu vi um macaco-aranha em uma avenida. Na mesma viagem, eu vi o zogue-zogue-alta-floresta, eu vi o mico-de-schneider”, diz. “Eu fiquei realmente motivada e falei: se eu ganhar o prêmio, vou aplicar aqui”.
Segundo a secretária de Meio Ambiente de Alta Floresta, Gercilene Meira Leite, muitos animais foram atropelados antes da instalação das pontes e foi a própria população que começou a relatar sobre o problema.

A conservacionista Vitória Da Riva foi uma das pessoas que procurou a prefeitura. Em uma manhã de 2023, depois de ver uma anta atropelada nas proximidades de um hotel, ela decidiu procurar parceiros para resolver o problema.
Desde então, a prefeitura começou a criar o Plano Urbano de Mitigação de Atropelamentos, o primeiro na Amazônia brasileira, que inclui mais oito pontes de dossel e mais cinco passagens de fauna subterrâneas.
“As histórias desses atropelamentos contadas pela população são de bichos que, normalmente, a gente não sonha em encontrar em ambiente urbano em outras cidades. Alta Floresta ainda é um município que consegue suportar uma diversidade incrível de animais”, conta Fernanda Abra.
Entre 2009 e 2010, Alta Floresta figurava entre os municípios que mais queimava derrubava a floresta amazônica. Em 2012, depois de diversas operações policiais e um trabalho de reeducação dos produtores rurais, o município saiu da lista dos maiores desmatadores do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
“Hoje nós temos 23 áreas de nascentes que foram adotadas e 105 hectares de áreas em recuperação e conservação dentro do perímetro urbano e boa parte destes corredores servem para as travessias dos animais, por isso é importante falar do passado para entender onde chegamos”, diz Gercilene.
Fazendeiro e filho de fazendeiro, Fernão Prado diz ser a prova viva dessa mudança de pensamento na cidade. Aos 18 anos, ele conta ter sido convertido a ambientalista pela própria floresta, ao visitar uma pousada na região.
“Para mim estar na natureza era estar no pasto e ver aquela mata do fundo”, diz. “Lembro de detalhes quando fui na mata pela primeira vez e tive contato com uma família de macaco-aranha-de-cara-branca, era um grupo grande, com filhotes, que veio me olhar, eu achei muito legal”, conta o proprietário da Fazenda Anacã, que ajudou a financiar o projeto.
O repórter viajou a convite da ONG Fundação Ecológica Cristalino para a Amazônia.