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GABRIEL NOVIS NEVES

Cinzeiros que faltam

Na minha geração, avós, pais e adolescentes fumavam
GABRIEL NOVIS NEVES

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Antigamente, quase todas as casas cuiabanas possuíam vários cinzeiros.

Alguns eram verdadeiras peças de arte, ocupando lugar de destaque nas salas de visita e nas varandas.

Os cuiabanos fumavam cigarros de palha, industrializados e charutos.

Uma campanha mundial, comprovando o alto índice de câncer do pulmão entre os fumantes, fez com que o vício — antes considerado elegante, principalmente com o uso das piteiras — diminuísse ao máximo.

O que era bonito tornou-se feio, a ponto de os fumantes passarem a ser alvos de reprovação.

Na minha geração, avós, pais e adolescentes fumavam.

Meu pai e muitos irmãos fumavam, assim como eu e minha mulher.

Meus três filhos e seis netos nunca fumaram.

Deixei o cigarro há quarenta e cinco anos, sem nenhum sacrifício.

Achei que havia chegado a hora de me libertar da dependência e parei — de um dia para o outro.

Comecei a fumar quando frequentava o Instituto Médico Legal, para as práticas cirúrgicas.

O odor das geladeiras com os cadáveres me incomodava profundamente.

Um colega fumante me ofereceu um cigarro Lincoln.

Nos primeiros meses sentia tonturas e só fumava à noite.

Com o tempo, o organismo se adaptou e, quando abri a quarta carteira de cigarros, decidi parar.

A desculpa para fumar tanto era a insegurança que sentia ao exercer funções públicas para as quais não me sentia preparado.

Não fumei na adolescência por modismo e deixei o vício antes de completar cinquenta anos.

 O governo entrou firme na campanha contra a indústria do fumo, determinando locais públicos onde o seu uso seria permitido.

O glamour dos artistas de cinema, que apareciam nas telas em poses sensuais fumando, desapareceu.

O mesmo, porém, não ocorre com as campanhas institucionais contra o consumo de bebidas alcoólicas, que também fazem mal à saúde quando ingeridas em excesso.

Hoje é difícil encontrar um cinzeiro nas casas cuiabanas.

Os que ainda infringem a lei usam garrafas e latinhas vazias de bebidas alcoólicas como cinzeiros improvisados.

A taxa de mortalidade por câncer de pulmão tornou-se insignificante no mundo todo.

E os hospitais de tuberculosos deixaram de existir, e o tratamento é ambulatorial.

O nosso foi transformado em hospital universitário.

Gabriel Novis Neves é médico e ex-reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

*Os artigos de opinião são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do Isso É Notícia*

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