O juiz João Bosco Soares da Silva, da 10ª Vara Criminal de Cuiabá, absolveu o jornalista Alexandre Aprá, diretor do portal Isso É Notícia, do crime de calúnia em uma queixa-crime movida pelo governador Mauro Mendes (União) e pela primeira-dama Virgínia Mendes em 2021.
A sentença é desta terça-feira (5).
Mauro e Virgínia acusaram Aprá de calúnia depois que o jornalista pediu investigação contra os dois em uma audiência pública realizada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, alegando que um detetive particular havia sido gravado afirmando que pretendia forjar flagrantes contra o jornalista a mando do governador e da primeira-dama.
Anteriormente, uma notícia-crime já havia sido formalmente apresentada pelo jornalista à Polícia Federal.
Curiosamente, Mauro e Virgínia processaram apenas a vítima – o jornalista – e não fizeram qualquer tipo de investida contra o detetive particular que os citou nas gravações.
Para o juiz, não restou caracterizado o crime de calúnia por parte do jornalista, haja vista que a informação de que a contratação por Mauro e Virgínia partiu do próprio detetive particular, gravado pelo assistente que ele mesmo havia contratado, e não do jornalista.
“Não se pode, neste quadro, em que o Querelado, jornalista investigativo, sabendo que seus direitos fundamentais e invioláveis à intimidade e vida privada, e que seu exercício profissional foram violados, admitir que, ao divulgar tal informação, e principalmente, ao levar tal informação ao conhecimento de órgãos de apuração e fiscalização parlamentar, tivesse por objetivo, por desiderato puro e simples, atingir a honra objetiva dos Querelantes [governdor e primeira-dama].”, afirmou o juiz, na sentença.
Arrolado como testemunha no processo, o juiz também não acreditou na versão contada pelo detetive Ivancury Barbosa à Justiça de que teria sido alvo de uma armação do próprio jornalista que, por sua vez, era alvo de seu plano criminoso.
“De resto, não ressoa, realmente, minimamente digno de fé a palavra do detetive Ivancury Barbosa, no sentido de que todo o imbróglio teria sido arquitetado pelo próprio Querelado [jornalista Alexandre Aprá], que o teria induzido a apontar os ora Querelantes [Mauro e Virgínia Mendes] como contratantes dos serviços e que, depois, o teria gravado clandestinamente, e de que, portanto, o ora Querelado [Alexandre] teria plena ciência e consciência da falsidade das declarações que prestou, no dia 05 de outubro de 2021, na já citada Audiência Pública perante a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, realizada na Câmara dos Deputados, e posteriormente replicou no Canal Youtube e em sua página do Facebook.”, destacou o juiz na decisão.
“Entendo que é preciso, e exatamente por isso o perfilho, o argumento erigido pelo Ministério Público, em seu pronunciamento derradeiro, de que “não faz o menor sentido acreditar que alguém se desloque de outro Estado da Federação para investigar determinado alvo, e, após realizar contatos por meios próprios para identificar informantes sobre a vida da pessoa que pretende investigar, venha a alegar ter sido vítima de uma armação desonesta do seu próprio alvo após ter sido descoberto e ter seus planos de investigação completamente frustrados.”, completou o magistrado, na sentença.
“Pelo exposto e diante dos fundamentos acima expendidos, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão contida nesta Queixa Crime promovida por MAURO MENDES FERREIRA e VIRGÍNIA RAQUEL TAVEIRA E SILVA MENDES FERREIRA e, como consequência, ABSOLVO o Querelado ALEXANDRE APRÁ DE ALMEIDA, com fundamento no art. 386, incisos III e VII, do Código de Processo Penal”, sentenciou o juiz João Bosco.
A defesa do jornalista foi feita no processo pela advogada Wellen Cândido Lopes.
Inquérito ‘fake’ e federalização das investigações
Já a Polícia Cívil, por meio do delegado Ruy Guilherme Peral, ex-titular da Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI), concluiu um “inquérito fake” que descartou todas as provas e optou por oficializar a versão idêntica dos fatos apresentada pelos investigados (entre eles o detetive Ivancury Barbosa, o governador Mauro Mendes e a primeira-dama Virgínia Mendes) sem indiciar ou identificar os mandantes das atividades criminosas para as quais o detetive foi contratado.
O Ministério Público Estadual (MPE), por sua vez, também demonstrou resistência em investigar o caso, descartou todas as provas e firmou um acordo de não-persecução penal com o detetive particular, demonstrando menosprezo e desídia pelo caso e, principalmente, pela identificação de seus contratantes.
Em julho de 2022, a Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT) requereram e a Procuradoria-geral da República instaurou um procedimento de Incidente de Desclocamento de Competência (IDC) do inquérito que investigou a contratação do detetive Ivancury Barbosa por inércia ou inoperância das autoridades locais, para que as investigações passem a serem conduzidas pela Polícia Federal.
Em junho deste ano, o secretário de Segurança Pública, César Augusto de Camargo Roveri, e o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz, foram intimados a prestar informações à PGR sobre a investigação local.
O procedimento de federalização da investigação é sigiloso e conduzido pelo procurador André de Carvalho Ramos, membro auxiliar do gabinete do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
O caso do plano para forjar flagrantes contra o jornalista Alexandre Aprá pelo detetive Ivancury Barbosa foi pauta do programa Domingo Espetacular, em reportagem assinada pelos repórteres Lumi Zúnica, Márcio Neves e Afonso Monaco (in memorian), do Núcleo de Investigação da TV Record: